quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Sobre esquilos e esquila

Fonte: http://maxpixel.freegreatpicture.com/Cute-Animal-Nature-Sweet-Lamb-Schaefchen-Sheep-861071
Aberta a temporada de tosquia!
E nesse tempo, como disse o Tio Telmo, "já clareia o dia com outro sabor."

Eu, particularmente, adoro o cheiro da lã, da lã misturada com a juta, adoro o som do "tzuac-tzuac" do martelo. Acessa memórias e emoções muito gostosas de uma infância com longas férias de verão lá nos campos dos areais. Pulando por cima da almanjarra, pulando e rindo que dava gosto levando velos pela cabeça dentro da bolsa.
Uma vez (eu tenho vergonha disso, tá bem?!) eu preparei um "número" para o pessoal da comparsa que esquilava por lá. Decorei a letra do Esquilador, do Telmo de Lima Freitas, um clássico! Subi nas bolsas que já estavam fechadas pra fazer de palco, botei um sorriso no carão de bolachinha Trakinas, peguei a letra que eu tinha copiado num papel cheio de desenhos bem caprichadinhos pra acompanhar, em caso de dúvida, e entoei o hino. Todos pararam, assistiram, aplaudiram e riram muito. Dei de presente pra eles o papel com a letra da música e saí muito satisfeita. Acho que a D. Zeloá, que era a única mulher que acompanhava a turma, deve ter guardado isso até hoje, assim como tem outras coisas que eu a regalei dessa época. Outro dia falo sobre ela, suas histórias merecem uma postagem específica.

Ontem cantei de novo esse hino no meu habitual show noturno, que faço diariamente para minha duplinha dormir quando a historinha, a oração e o escurinho não são suficientes para baixar os ânimos e deixar o sono chegar. Pedro Inácio pediu para ouvir uma música que eu gostava quando era criança e me veio essa passagem. Eu disse:
_Vou cantar uma sobre a esquila;
_ Esquila ou esquilo? Perguntou ele.
_ Não, meu filho... esquila, tosquia, quando se tira a lã das ovelhas.
_ E daí deixam em formato de esquilo? (Risos)
_ Nada a ver, guri!!
_ Foi o que eu imaginei, mãe!!
_ Escuta a música que tu vais ver como é...
Escutaram atentos, a mana capotou no meu colo e ele, que não captou muito bem a terminologia da letra e costuma alçar vôo na imaginação, seguiu com aquele risinho sobre esquilar ovelhas para deixá-las parecidas com esquilos. Boa noite e fomos dormir.

Mas não saía da minha cabeça o fato de que meu filho não fazia idéia do que era uma tosquia, não conhecia aqueles cheiros, sons, vivências, sabores que menciona a música. Ele sabe o que é um esquilo, um animal que não faz parte da nossa realidade, mas não tem noção do que é a esquila. Ele nasceu no Alegrete, lá moramos na campanha e criávamos ovelhas. Giramos um pouco por aí e agora, parafraseando o Tio Telmo "voltamos pra fronteira, pra nos encontrar". Estamos em Dom Pedrito e temos acompanhado de perto o movimento da compra de lãs, produção de fios e confecção de tecelagem com uma família de amigos daqui. Imaginei que ele, por ver tudo isso, estivesse inserido. Que nada! Criança precisa meter a mão, vivenciar essas sensações muitas vezes, fazer parte, pra registrar na mente e no coração.
Os desenhos animados, os cadernos didáticos, os programas televisivos de todo dia apresentam e trazem ao convívio da gurizada essa bicharada e contextos que nada tem a ver com o concreto de seus cotidianos.

Nesse mês as escolas trabalharam aqui o dia da criança, Nossa Senhora Aparecida, e essa semana a temática que toma eco é o Halloween. Todos falarão termos em inglês, falarão termos como "travessuras", comprarão vestimentas de zumbis e bruxas. Mas não haverá menção a aventais de estopa, toucas de lenço atado nas quatro pontas, nem tampouco criançada manuseando na lã (daria pra trabalhar conteúdo escolar e fazer um bocado de atividades de estímulo, né?) Enquanto isso, alheios à sua atenção, começam a passar nas estradas da cidade os caminhões carregados de bolsas de lã.

Pois é, vai ter que ser conosco mesmo, não vai dar pra esperar que a escola se atente, que a Disney reedite um Pateta Gaucho ou a tv mencione cultura e realidades regionais. A gurizada precisa mesmo saber da origem das coisas, adentrar o rural dessa fronteira para ver e sentir o seu universo real, ver de onde vem a carne, a mandioca e a matéria prima que é trabalhada no verão para compor cobertas e agasalhos no nosso inverno pampeano.
Alguém nos acompanha?